quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A afirmação da existência de Deus na poesia portuguesa

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A AFIRMAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE DEUS PROVADA PELAS OBRAS DA CRIAÇÃO
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............................................ Por Bocage

Bocage é um poeta muito maltratado. Esquece-se o seu melhor, que é a limpidez de intenções da sua última fase, a adesão sincera ao Cristianismo, o seu arrependimento alto e bom som proclamado: «Saiba morrer o que viver não soube!», «Rasga meus versos, crê na Eternidade!».
Ao seu soneto intitulado «A existência de Deus provada pelas obras da criação», acrescenta-se, como um complemento, o «Hino a Deus».


Os milhões de áureos lustres coruscantes
Que estão da azul abóbada pendendo:
O Sol e a que ilumina o trono horrendo
Dessa que amima os ávidos amantes:

As vastíssimas ondas arrogantes,
Serras de espuma contra os céus erguendo,
A leda fonte humilde o chão lambendo,
Lourejando as searas flutuantes:

O vil mosquito, a próvida formiga,
A rama chocalheira, o tronco mudo,
Tudo que há Deus a confessar me obriga:

E para crer num Braço, autor de tudo,
Que recompensa os bons, que os maus castiga,
Não só da fé, mas da razão me ajudo.


HINO A DEUS

Pela voz do trovão corisco intenso
Clama que à Natureza impera um Ente,
Que cinge do áureo dia o véu ridente,
Que veste da atra noite o manto denso:

Pasmar na imensidade, é crer o imenso;
Tudo em nós o requer, o adora, o sente;
Provam-te olhos, ouvidos, peito e mente?
Númen, eu ouço, eu olho, eu sinto, eu penso!

Tua ideia, ó Grão-Ser, ó Ser divino,
Me é vida, se me dão mortal desmaio
Males que sofro e males que imagino:

Nunca impiedade em mim fez bruto ensaio;
Sempre (até das paixões no desatino)
Tua clemência amei, temi Teu raio.


A EXISTÊNCIA DE DEUS NUMA ELEGIA DE CAMÕES

No começo da elegia À Paixão de Cristo, Nosso Senhor, tem Luís de Camões estes versos que são um convite a descobrir Deus através da Criação; chama-Lhe um «altíssimo Ser, puro e divino, / que tudo pode, manda, move e cria» e «um Padre (Pai) grande».
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Se quando contemplamos as secretas
causas por que o mundo se sustenta,
o revolver dos céus e dos planetas;

e se quando à memória se apresenta
este curso do Sol, que é tão medido
que um ponto só não mingua nem se aumenta;

aquele efeito, tarde conhecido,
da Lua, em ser mudável tão constante
que minguar e crescer é seu partido;

aquela natureza tão possante
dos céus, que tão conformes e contrários
caminham, sem parar um breve instante;

aqueles movimentos ordinários,
a que responde o tempo, que não mente,
cos efeitos da terra necessários;

se quando, enfim, revolve subtilmente
tantas coisas a leve fantasia,
sagaz, escrutadora e diligente;

vê bem, se da razão se não desvia,
o altíssimo Ser, puro e divino,
que tudo pode, manda, move e cria;

sem fim e sem começo, um ser contino;
um Padre grande, a quem tudo é possível,
por mais árduo que seja ao homem indino;

um saber infinito, incompreensível;
üa verdade que nas coisas anda,
que mora no visível e invisível.


A EXISTÊNCIA DE DEUS

................................ Pelo Visconde de Azevedo

Do Visconde de Azevedo (21/1/1809-25/12/1876) escreveu Camilo que “tinha a singularidade fenomenal de ser sábio e rico”. Teve uma intervenção cultural variada e oportuna.
Escreveu uma fundamentada e longa carta para prefaciar o livro de Camilo A Divindade de Jesus, que saiu em 1865, ano da Questão Coimbrã, e que refutava principalmente Renan; publicou outra carta dirigida ao seu amigo Alexandre Herculano a refutar a argumentação que ele aduzira contra o encerramento das Conferências do Casino; foi da sua iniciativa o primeiro Congresso dos Escritores Católicos, de que foi orador de abertura; colaborou no Dicionário de Inocêncio; etc.
O seu livro
Distracções Métricas foi colocado em linha pelo Google. Nele se encontra o soneto seguinte, escrito num período em que vários intelectuais portugueses se começavam a desviar não só da Igreja mas mesmo da crença em Deus.

Essa dos altos céus magnificência,
A terra, o ar, o fogo, o mar salgado,
O tempo inquieto e o espaço sossegado,
De um Criador proclamam a existência.

Em vão descrê e nega esta evidência
Filósofo atrevido e desvairado,
Que a si mesmo e a tudo o mais criado
Busca no cego acaso a prima essência!

Todos os seres, toda a natureza
Mostram Autor eterno e sábio e forte,
Que o vício odeia e que a virtude preza.

Mas a sempre infeliz humana sorte
Faz que somente a um Deus nega ou despreza
Quem deve inda viver além da morte!


EXISTÊNCIA DE DEUS

.......................................  Pelo abade António Martins de Faria

António Martins de Faria (12/9/1837- 16/10/1913) era barcelense e paroquiou e Balasar e Beiriz, da Póvoa de Varzim. Foi ainda jornalista e pregador e publicou dois livros de poemas. Era um homem culto e de agradável convívio. A sua linguagem é sempre clara, como aqui se verifica:

Ao ver o céu, a terra, o mar, o monte,
Num Ser Omnipotente,
Que foi e fora sempre antes de tudo,
Que forma deste mundo o conteúdo,
Eu creio firmemente.

Com Ele pode o homem, quando queira,
De tudo dar razão,
Desde o ente mais vil, em seu conceito,
Até ao ser mais nobre e mais perfeito
De toda a criação.

Com Ele, o ser do sol, o ser da lua,
Da luz e mais do ar;
Com Ele, os vendavais, as maresias,
Os frios, os calores, noites e dias,
Bem pode perscrutar.

Unido ao corpo seu estreitamente,
Um outro ser também
Com Ele, pode o homem descobrir,
Capaz de bem amar e bem servir
Na terra o Sumo Bem.

Ao contrário, porém, sem Ele, o Mestre
De todo o magistério,
O mundo para mim, p’rà minha mente,
Foi, é e será eternamente
Insondável mistério.

Para se crer, sem Ele, em tantos seres,
Fora mister primeiro
Ao estulto ateísta demonstrar
Que é dever da razão acreditar
Em obras sem obreiro[1].

Mas é impossível; e portanto
Num Ser Omnipotente,
Que foi e fora sempre antes de tudo,
Que forma deste mundo o conteúdo,
Eu creio firmemente.


DEUS

..................................... Por Alexandre Herculano

No seu longo poema Deus, que tem algo de reflexão sobre a existência de Deus, escreveu Alexandre Herculano estes versos:

Homem, ente imortal, que és tu perante
A face do Senhor?
És a junça do brejo, harpa quebrada
Nas mãos do trovador!
Olha o velho pinheiro, campeando
Entre as neves alpinas:
Quem irá derribar o rei dos bosques
Do trono das colinas?
Ninguém! Mas ai do abeto, se o seu dia
Extremo Deus mandou!
Lá correu o aquilão: fundas raízes
Aos ares lhe assoprou.
Soberbo, sem temor, saiu na margem
Do caudaloso Nilo,
O corpo monstruoso ao sol voltando,
Medonho crocodilo.
De seus dentes em roda o susto habita;
Vê-se a morte assentada
Dentro em sua garganta, se descerra
A boca afogueada:
Qual duro arnês de intrépido guerreiro
É seu dorso escamoso;
Como os últimos ais de um moribundo
Seu grito lamentoso:
Fumo e fogo respira quando irado;
Porém, se Deus mandou,
Qual do norte impelida a nuvem passa,
Assim ele passou!

O leitor encontra aqui uma variada colectânea de poesia de tema religioso de autores portugueses.

[1] O autor está apensar no princípio de causalidade: para haver efeito, “obra”, é preciso uma causa proporcionada, um “obreiro”; aqui, Deus.

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